Junji Ito é o criador de muitas obras icônicas do gênero mangá de terror. Seguindo os passos de outra lenda do terror, Kazuo Umezu (o criador de obras icônicas como Orochi e Hyôryu kyôshitsu), Ito adere a um estilo particular de contar histórias que explora metaforicamente a condição humana, seja amor, luto ou narcisismo, ou a complexidade das relações humanas. Sua arte também é conhecida por lidar com extremos, como luz e sombras, ou um forte contraste entre imagens realistas e horror grotesco. Uma das obras mais icônicas de Ito que incorpora cada um desses detalhes é seu primeiro trabalho, Tomie.
A antologia de Tomie segue um formato específico com temas recorrentes: cada história começa com Tomie visitando um casal em sua casa ou encontrando uma pessoa aleatória em um espaço público. Durante o primeiro encontro, Tomie sempre se mostra irresistivelmente linda, extrovertida e inteligente, mas também muito presunçosa. A partir daí, ela se integra à vida das pessoas que conhece e, através de uma combinação de manipulação e humilhação, sempre consegue destruir a auto-estima de suas vítimas e as leva à morte. Se as vítimas de Tomie são mulheres, muitas vezes acabam tirando a própria vida, e se suas vítimas são homens, sempre a assassinam brutalmente.
Quem é Tomie?
Dada a natureza do horror de Tomie, é fácil concluir que ela é a encarnação viva dos piores medos dos homens: sua beleza a torna altamente desejável, mas seu narcisismo sempre os deixa presos, invalidados e sem valor. Em uma análise mais detalhada, no entanto, há mais na narrativa de Tomie do que apenas incorporar traços que os homens consideram ameaçadores – especialmente quando esses mesmos traços são frequentemente usados para justificar a violência contra as mulheres. Quando você também considera por que Tomie está consistentemente se integrando à vida de várias pessoas e, ao mesmo tempo, as destruindo, fica claro que ela realmente incorpora as várias circunstâncias trágicas pelas quais as mulheres vivem.
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Um ponto bem óbvio de Tomie é incorporar isso é sua própria beleza, que explora o sexismo. Ela é imediatamente reconhecida por sua beleza em cada história, precisamente porque mantém os padrões irrealistas que homens e mulheres são ensinados a valorizar. Tomie possui características faciais altamente atraentes, um corpo esbelto e cabelos pretos sedosos. Todo homem que encontra Tomie a quer para si, e está até disposto a romper com sua atual parceira para ficar com ela. Toda mulher que conhece Tomie fica imediatamente intimidada por sua beleza e se sente inútil quando seu parceiro a deixa por Tomie.
As pessoas que se relacionam com Tomie
Enquanto Tomie está completamente ciente de sua atratividade física e usa isso para sua vantagem, ela também nunca se contenta com admiração sozinha. Ela sempre quer ser tratada como superior aos outros e se ofende facilmente quando é ignorada ou diz que é feia, o que é sintomático de narcisismo. Tomie tem um senso grandioso de auto-importância, um forte senso de direito e genuinamente se acredita superior aos outros. No entanto, todos esses traços mascaram sua auto-aversão e sua frágil auto-estima, ambas facilmente afloradas no momento em que ela experimenta qualquer forma de invalidação. Isso curiosamente se liga às razões pelas quais Tomie busca constantemente novos relacionamentos.
A constante necessidade de validação de Tomie muitas vezes a leva a dois tipos de pessoas: emocionalmente vulneráveis e outros narcisistas como ela. Por meio de pessoas emocionalmente vulneráveis, ela cumpre seu desejo de ser amada por alguém e, por meio de outros narcisistas, cumpre sua necessidade de estar no controle. Com pessoas emocionalmente vulneráveis, ela é tratada como uma rainha e a própria Tomie esgota a energia emocional da outra pessoa. Com outros narcisistas, ela se deleita em ter controle sobre alguém com uma autoestima frágil, porque isso lhe confere um poder significativo sobre essa pessoa. Tudo isso é sintomático de relacionamentos codependentes, que sempre acabam mal – ou no caso de Tomie, em morte.
A história de Tomie refrete a vida de outras mulheres
Como mencionado anteriormente, todas as histórias de Tomie terminam em sua morte ou no suicídio de outra mulher. Na maioria das vezes, no entanto, ela é vítima de um assassinato brutal nas mãos de um homem, o que oferece uma forte visão de misoginia. O que exatamente leva os homens na vida de Tomie a matá-la? Seu comportamento narcisista é o único culpado ou expõe o que sempre esteve à espreita? Uma coisa que muitas vezes leva os homens da vida de Tomie a cometer atos de violência contra ela é a incapacidade de controlá-la, o que muitos tentam fazer em algum momento.
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Em seus relacionamentos com os homens, Tomie sempre comunica seus pensamentos honestamente e nunca valida o que os homens acreditam ser verdade. Quando eles tentam provar que ela está errada, eles descobrem que ela nunca é influenciada por seus esforços e muitas vezes zomba de sua mediocridade. Quando Tomie ameaça deixar os homens, é quando eles ficam violentos e optam por assassiná-la.
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Embora se possa argumentar que Tomie é responsável por seu comportamento narcisista, seus assassinatos muitas vezes expõem o direito masculino e sua objetificação das mulheres. Como tal, as histórias de Tomie muitas vezes mostram as circunstâncias trágicas das mulheres, o que por sua vez a torna uma figura trágica.
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